terça-feira, 30 de março de 2010

Utopias inacabadas (Parte 1 - por um bom tempo)



Eu gostaria que o relógio não tivesse sido inventado. Que não tivéssemos este suporte para nos mostrar, passo a passo, o mudar dos tempos. Mario Quintana dizia que o tempo é invenção da morte.


Eu não sei se concordo. Eu não encaro a morte. Nem penso nela. Ela é uma das poucas certezas que temos. Então, para que perder tempo "desperdiçando ilusões"?

Eu apenas queria que o tempo não fosse mensurado, que ninguém tivesse descoberto a correria. Eu queria que os eventos, os compromissos não fossem marcados, eu queria que tudo acontecesse na "hora certa", mas sem ser medida.

Eu queria liberdade. Eu aposto que amaria mais, que não teria tantos pré conceitos que insisto em dizer que não tenho. Eu sorriria mais eu acho...Na verdade eu queria que todos fossem anarquistas, mas que amassem antes disso, para que tudo fosse perfeito. Sei o nome disso: Utopia. Que seja!

Mais vale um sonho do que um desgosto, dizia minha avó!

O pior de tudo, é quando não se tem palavras para colocar no papel o que realmente se quer contar. Eu também queria que todos ouvissem a todos. Que ninguém se ofendesse por simples melindre. Eu queria que as pessoas fossem transparentes e que não conseguissem dissimular absolutamente nada, nem raiva, decepção, dor de dente, alegria, paz...

Eu também queria que todos tratassem bem a todos, sem descontar pendengas em qualquer um pela frente. Eu queria que os velhos errantes falassem mais e que nós, ainda jovens errantes, falássemos menos. Teria menos besteiras por ai. Começaria com minha besteiras.

Se um errante de 70 anos sentir o que eu sinto, deve saber se expressar muito melhor do que eu, mas eu não estou ouvindo ninguém...eu poderia aprender tanto...mas ele está tão cansado que escolhe não falar nada, ou talvez não seja escolha, seja medo.

Eu também queria que as crianças dessem palestras, todas elas. Meu filho acha que o céu é azul porque simplesmente é a cor mais linda e Deus deve adorá-la. Ele também me disse que as flores todas são irmãs e um dia, quando morrerem, voltam para a terra e viram minhocas que um dia também podem se transformar em borboletas. E sabe porque minhocas se transformam em borboletas? Porque quando eram flores, guardaram um pouco da tinta! Isso é poesia!!!

Eu também queria que ninguém competisse com ninguém. Que tudo fosse vitória, que a luta fosse sempre consigo mesmo e que o rival fosse nós mesmos, nossos limites, nada de olhar para o lado e tentar ser melhor que o vizinho.

Eu queria poder ser franca com todos, sem medo de ser mal interpretada. Eu acho que se amássemos uns aos outros incondicionalmente eu teria tudo isso. Mas não somos uma tribo, somos clãs, separados, competindo e correndo contra o tempo.

O fato é que não consegui, nem de longe, expressar o que eu queria! rsrsr

Mas um dia, quando eu tiver uns 70 anos, eu prometo que retomo este assunto. Faltam me palavras e vivência. Mas está aqui, dentro de mim, uma sentelha não sei do que. Mas aparecerá não sei quando. Não importa, vindo à tona já me basta.

Quanto às utopias:

Se as coisas são inatingíveis... ora!

Não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos se não fora

A mágica presença das estrelas!

Mario Quintana - Espelho Mágico

E assim caminha a humanidade...uns sentindo mais do que falando e outros falando mais do que pensando...rsrsr



sábado, 27 de março de 2010

Pedro Pedra

Ele nasceu no dia 5 de maio de 2003 em Florianópolis - Continente. Estava frio quando resolveu ganhar o mundo. Quase 3:30 da madrugada. Foram 10 horas de trabalho de parto, não era dor, era mais ansiedade. E como se movimentava esse menino, alíás, nada mudou...

Lendo um texto de Rubem Alves, que um amigo me indicou, a imagem da criança associada ao ninho quando dorme não saiu de minha cabeça. Ainda mais por estes tempos do julgamento de um caso que abalou o país. E então resolvi prestar atenção...não que eu nunca tenha feito isso mas a vida, a rotina da vida, tira-nos algumas preciosidades.

A última noite fiquei umas duas horas olhando meu filhote dormir e confesso: eu morrerei por ele se um dia for preciso. É o maior amor do mundo, é um carinho sem fim, é uma vontade doce de estar o tempo todo tocando, faz parte de meu corpo, é uma extensão de minha alma, sou eu em outro alguém. Pode crescer quanto quiser, será sempre meu pequeno, sempre encontrarei a carinha de bebê nos traços do então moleque...e assim será até meus ultimos dias por aqui.

Reconheço nele coisas minhas, coisas boas e ruins. Ouço dele idéias que eu teria, o que eu sinto ele sente e já nos comunicamos assim. Quando um aperto muito forte me invade e eu não sei de onde vem a angústia basta procurar por ele e saberei: caiu na escola, não dormiu bem, está com febre...

É um pedacinho de mim que cresce independente, é o maior amor de todos os tempos de minha vida. Ele foi a prova irrefutável de que Deus existe.

Eu sei também que ele não me pertence, que um dia será do mundo, não tem importância...ele veio por mim e isto já me deixa feliz. Ele já não é tão dependente de mim, não precisa me dar os braços para ir ao colo, ainda bem, ele tem 2/3 do meu tamanho e metade de minha massa. Já não dorme mais com ursinhos, mas ainda precisa de histórias e música. Que Deus preserve isso por mais um bom tempo. Ele pode não precisar tanto desse ritual para dormir, mas para mim é crucial.

Ah, meu Pedro Pedra Pedregulho...

terça-feira, 23 de março de 2010

Um divisor de águas

Houve um tempo que me interessava apenas pelo útil, algo que tivesse um propósito. O que julgava inútil era excluído sem a menor dor.

Durante uns 7 anos de minha vida tentei a música, não encontrei sentido, não pude senti-la.

Tentei a dança, não era aquilo que pensei, não me motivava, era vazio.

Tentei a pintura mas logo o tédio chegou.

Foi a vez da psicologia. Era falha demais. O que modelos comportamentais diziam de alguém? De onde eram estas teorias estranhas, sem correspondência com o real? Peugeot? Skinner? Freud? que história bizarra aquela de Anna Ó! Nada fazia sentido.

Precisava de algo útil, algo que me provasse o real a todo instante. Nestes tempos eu não lia poesia, nem poemas, nem contos...

Fui à exatidão, aos cálculos, vasculhei... Procurava ler o que era real. Histórias reais, almanaques de astronomia, métodos númericos, a evolução do ENIAC, as Redes Neurais artificias....Oh! Quanta realidade! Quantos deslumbrados...

E o tédio persistia....o vazio ainda estava lá.

Hoje sei que deveria ser uma forte depressão. Era falta de cor na vida. Ninguém me ensinou a buscar só utilidades, na minha vã filosofia do útil. Cresci assim, no meio de gregos e troianos, seguia lutando sozinha.

Apesar dos esforços, o vazio ainda existia e as provas já não eram provas, pois eu não sabia o que provar, nem me lembro mais quais eram as dúvidas, angústias...Mas me lembro do vazio.

Até que um dia, um divisor de águas se fez em minha frente. Não segui rio abaixo, desviei. Eu já não queria provas de nada, mesmo porque temos uma tendência de arrumar desculpas para refutar o que está às nossas vistas, então...

Com o tempo, voltei a rever aquelas coisas que desprezei e que hoje me alimentam.

Hoje sinto falta do meu velho violino 3/4 e me arrependo de tê-lo vendido, e daquele maestro que me colocou, de improviso, como spalla naquele dia, na apresentação da orquestra. Sinto falta do sapateado, como era lindo aquele ritmo, era a mais pura sensação de liberdade, como se o corpo ganhasse volume e estivessemos espalhados...

Saudades do pessoal da psicologia, aquele povo tinha olhos de ver almas. Quantas vezes me ouviram dizer que éramos um ábaco? Totalmente previsíveis? Para que modelos comportamentais? E quanta paciência tiveram comigo! Fui um material e tanto hein?
É no silêncio de cada um deles, naquela época, que hoje ainda aprendo.

Não me lembro como, nem do porquê, mas de uns anos para cá a música aperta meu peito e tira de mim as lembranças que talvez nem sejam dessa vida. Acredito que carregamos feridas passadas.

A arte da dança é o mais lindo reconhecimento deste nobre invólucro carnal emprestado pela natureza.

O ser humano é uma biblioteca, independente de modelos "behaviouristas", histórias de infância, ou da paixão doentia entre Freud e Anna Ó. Tudo é rico e repleto de amor, somos cada um, um universo.

Constatei isso quando aprendi a ouvir o que me contam. Como é bom vislumbrar da janela, o mundo do outro. Quanta generosidade!

Os extremos do antes, o incerto e o exato, já não estão separados, tudo está no mesmo lugar e não me preocupo em "etiquetá-los" mais.

Eu quero beber a vida até o último gole e que ninguém me avise sobre a chegada dele. Quero continuar o meu namoro com a filosofia, com o ser humano, com a poesia...esbarrei, no meio do caminho, com um incentivador, daqueles que falam com os olhos...tamanho é o brilho que têm.

Minha vida tem cor. Não tenho mais dúvidas, muito menos certezas. Apenas vivo como se acreditasse que essa fosse a última viagem. Estou feliz...bons ventos sopram.

Contrariando Drummond
Não Carlos, não vá ser gauche na vida!
Levanta a cabeça Carlos!

c. q. d.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão

Na Física, podemos falar que força interna não altera um sistema, isso quer dizer que se você estiver em alto mar, afogando-se, nem tente puxar a si próprio pelos cabelos, você não irá alterar o seu estado de "quase afogado", reze, tenha fé, mas não tente levantar a si mesmo, não dissipe energia à toa.

Será que no mundo das idéias, dos sentimentos, somos outro universo, submetidos à outras leis?Somos apenas um e alteramos sim o sistema? Basta termos as ferramentas, uma breve noção do mundo, da vida, uma breve história e muita resignação?

Mudar por dentro. Lutar internamente até unir forças e conseguir verbalizar, colocar em palavras nosso mundo interno não é tarefa fácil. As pessoas que conhecemos são peças essenciais para essa exteriorização. Não somente por serem queridas, especiais ou fabulosamente diferentes de nós, mas principalmente por ajudar a nos localizarmos no mundo. São os ajustes finos da vida, do caminhar, nada seria igual se não interagíssemos com as pessoas. Elas nos mostram quem somos, é no ajuste de referencial que nos descobrimos.

Cada um de nós é um universo à parte, submetidos às leis da interação com as pessoas. Força interna nenhuma altera o sistema. Não somos mesmo um ilha, ou uma gaiola de Faraday, somos errantes, como adoro mencionar e somos dependentes uns dos outros, no que diz respeito ao nosso lugar no mundo, e isso é ótimo.

Sistematizar a vida e o processo de auto conhecimento tal como uma bula de remédio é impossível. Se esta necessidade fosse uma doença, as pessoas seriam o método paliativo, mas não haveria cura. Mas o querer fazer e a tentativa é uma bela motivação para viver.

Os poetas sistematizam a alma, o coração, as relações humanas e colocam no papel, à luz de seus métodos, o que as lutas internas produzem. Enquanto não defino um método, fico com a poesia dos outros errantes.

E desde já, sou eternamente grata às pessoas que, como eu, amam ternamente, incondicionalmente...

As nuvens não são de algodão, são moléculas de água em gelo ou vapor, simplesmente assim. Mas para os poetas elas são a marca do passar do tempo...nuvens passageiras, ou mesmo o símbolo de algo efêmero...prefiro assim.


Jaedson, dedico esta postagem à você especialmente, por contribuir intensamente ao meu "método de ajuste". Muita luz em seu caminho. Contarei sempre com você.


VCR

sexta-feira, 5 de março de 2010

Estou farta...

Estou farta da falta de liberdade e da educação polida que nos leva à hipocresia....

Eis uma compreensão:

Poética (Manuel Bandeira)

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas.

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que captula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.


OBS: Um amigo me disse por estes dias que ser louco seria vantagem...concordo!
VCR

quinta-feira, 4 de março de 2010

É necessário o caos....

"Navegar é Preciso
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça."

Fernando Pessoa


Quem possui dentro de si um turbilhão de sentimentos e vontades e medos e dúvidas e desejos...sabe o que significa navegar...viver já virou inércia!